Sirlene
Caxias da Costa
Este
artigo tem por finalidade sensibilizar a sociedade sobre a importância de
desenvolver um novo olhar a respeito das pessoas cegas e com baixa visão,
reconhecendo-a como ser humano que é, com todas aptidões e potencialidades
inerentes à pessoa humana, capaz de relacionar-se no meio social no qual está
inserida, apta a contribuir para a melhoria social a partir de mudanças
atitudinais, corroborando com um novo olhar da sociedade a respeito da comunidade
com deficiência e seus contributos.
Para entender o cotidiano da pessoa cega,
basta olhar para a sociedade capitalista que vivemos ainda na atualidade, pois
se é difícil a competitividade entre os que se julgam “normais”, imagine em se
tratando da pessoa cega.
Considerando a vinda de um ser ao Planeta,
percebe-se o quanto este é esperado a partir dos preparativos com o enxoval, os
detalhes de lembranças a ser distribuída durante a visitação da sua chegada por
familiares e amigos, as possíveis imaginações de variáveis rostinhos
semelhantes ao do pai ou da mãe, as brincadeiras, as possíveis profissões.
No entanto, desconhece-se totalmente as
possibilidades desse filho vir com alguma limitação físico-sensorial que,
quando ocorre, na maioria dos casos, provoca um desmoronamento na vida familiar
e social à sua volta, repercutindo em cheio no recém-nascido, futuro
enfrentador de desafios que precisará contar inicialmente com estímulo,
incentivo, investimento dos que o rodeiam para superar os desafios de ser uma pessoa
cega frente às diversidades que o aguardarão ao longo da vida.
Eis que nasce no seio familiar uma criança
cega fugindo das expectativas mais variadas de sonhos, encantos, perspectivas.
Em muitos casos, surge, nos familiares, sentimentos de frustração, decepção. A
culpa, a sensação de impotência para reprodução, a cobrança entre os cônjuges,
a corrida para esconder o bebê da sociedade, os poucos cuidados ou exageros, o
abandono ou a super proteção, o não saber conviver no dia a dia com este ser,
os medos, a dor, o pesar, a revolta, a separação dos pais, dentre tantos outros
sentimentos emergidos em emoções que jamais se pensou conhecer, o luto natural
que poderia ser passageiro, perdura, na maioria das vezes, por tão longo tempo
que pode causar danos irreparáveis àquele que pode perder a característica de
humano para dar lugar a um “ser sem valia”, “inútil”, um “ET”, um “cambão”,
tudo, menos uma pessoa.
É fato. O bebê “já faz parte” da família.
Como toda criança na sua fase inicial, depende de cuidados, atenção e carinho.
Esta, porém, na maioria das vezes, por razões diversas, conta apenas com
“cuidados” que geralmente lhe são dados regrados o suficiente para manter-se
“vivo”. Começa a luta pela sobrevivência.
Segundo Vygotsky (2000), “o meio interfere no
desenvolvimento do indivíduo”. Assim sendo, não é diferente com a pessoa cega.
Ela precisa contar com o afeto familiar que lhe dê segurança, conhecimento do
que se passa ao seu redor, estímulos dos sentidos remanescentes que a ajudará
no processo de seu desenvolvimento psicossocial, cognitivo, motor e cultural,
oportunizando a inserção desta na sociedade.
Entretanto, o que se vê na realidade é a
pessoa cega à margem da sociedade que prega veementemente uma inclusão que
ainda não passou de uma tosca e tímida discussão favorável aos que se utilizam
dela para ganhar em cima daquelas que, por sua vez, não sabem que estão sendo
exploradas. Em torno de si, ocorrem implantações e implementações de leis e
serviços que lhe “garantem oportunidades” de variada sorte, planos e projetos
às tulhas que só têm servido para encher os bolsos de quem os criam, aumentando
seus patrimônios e mantendo essas pessoas em casa ou em instituições que fingem
prestar atendimentos que as tirem da vida que vivem.
Na realidade, se for analisada a vida dessas
pessoas a partir da observação de como se apresentam socialmente, será fácil
constatar o grande descaso do qual são vítimas de um sistema opressor que se
diz “acolhedor” destas, desde sua escolarização nas unidades de ensino até o
mercado de trabalho, meramente para mostrar que cumprem a função social. Mas,
observando a fundo o cotidiano dessas pessoas no âmbito escolar e fora deste,
percebe-se facilmente a farsa montada pela sociedade para camuflar o cotidiano
de pessoas que apenas desejam ser tratadas como (pessoas) contando com o
respeito aos seus direitos.
Vale enfatizar que os indivíduos cegos
almejam as mesmas coisas e padrões de vida como quaisquer outros. A diferença,
é que a estas primeiras são, geralmente, negados o direito de inserir-se socialmente,
pois, é notório o baixo número delas na sociedade como construtoras ativas de
suas vidas, fazendo uso da vez e voz que possuem nos locais nos quais fazem
parte. Exercer o direito de cidadania como qualquer outra pessoa é luta constante
para estas, haja vista inúmeros entraves enfrentados por elas frente à
sociedade na qual pertencem, pois o lema defendido há muito de “igualdade”,
ainda é utópico se considerada vetada à participação das pessoas cegas em cargos
de referência no trabalho, o acolhimento de suas ideias construtivas em
reuniões, palestras, congressos, e outros eventos que viabilizem mudanças para
a melhoria na qualidade de trabalho e serviços a serem prestados à sua
comunidade e/outras numa perspectiva inclusiva.
Contudo, precisa-se reconhecer que apesar de
se estar ainda distante do que se almeja em prol da pessoa com deficiência, é
válido ressaltar os avanços, especialmente os que envolvem a tecnologia que
muito vem contribuindo para a inserção da pessoa cega no mundo da leitura e
escrita, mais precisamente no mercado de trabalho, possibilitando-lhe
estabelecer relação de igualdade junto aos colegas no desempenho de suas
variadas funções. A oportunidade ao conhecimento do uso da bengala, da escrita
cursiva, os quais habilitam a pessoa cega andar sozinha, assinar o nome em tinta,
garantem sua autonomia perante o mundo social, estabelecendo relação de
igualdade com as demais pessoas com quem convivem ou venham a conviver. O Sistema
Braille, oferecido a partir de sua escolarização nas fases iniciais,
propicia-lhe maior poder de absorção do conhecimento tornando-o capaz de
apropriar-se deste com propriedade através de leituras táteis, que lhe dão
melhor compreensão da grafia ao contato direto com a ortografia no ato da
leitura.
Mas não basta somente isso, é importante
lembrar que a vida da pessoa cega é marcada por fortes preconceitos e
discriminações que têm eco desde sua historização e que não vai deixar de
existir por agora. Porém, faz-se necessário ressaltar que depende de cada um
dos humanos dirimir essas exigências de homogeneidade humana, a considerar que
todos somos diferentes, com traços de igualdade em alguns pontos que nos
possibilita a aproximação ao invés do afastamento uns dos outros.
Enquanto levou-se muito tempo pensando em
quebrar as barreiras arquitetônicas, perdeu-se muito deixando de se trabalhar,
em estreitar os laços afetivos entre a sociedade e as pessoas cegas, sejam
estas totalmente cegas ou com baixa visão. Faz-se necessário a desconstrução
das barreiras atitudinais visando a aceitação das pessoas aqui mencionadas pela
sociedade. Por mais que estas tenham, ao longo dos tempos, mostrado capacidade
e potencialidades, que trazem grande contributo social ainda são visivelmente
discriminadas nos meios em que estão inseridas. Para melhor exemplificar essa
afirmação basta observar o quanto elas são rejeitadas no círculo familiar não
sendo envolvidas nas conversações, inclusive, a seu respeito nas decisões mais
importantes a serem tomadas na escola. No ato do ingresso à sala de aula, sem o
livro didático, impresso nos mais variados formatos de escrita, com vistas a
serem utilizados ao mesmo tempo que seus colegas, no mercado de trabalho,
quando são jogados à margem sem uma função compatível a seu conhecimento e
formação, sendo admitidos apenas para cumprimento da Lei em atendimento à cota
exigida pelo governo, no tangente à afetividade, quando são rejeitadas pelos
parceiros ditos “normais”, que embora as admirem e lhes façam elogios,
afastam-se deixando que se relacionem apenas com pessoas de sua comunidade,
como se estas só pudessem desenvolver uma vida afetiva entre si. Aqui, não se
quer diminuir o valor da comunidade cega em detrimento da “normovisual”, no
entanto, é relevante considerar a opção de escolha de seus parceiros por si
mesmos sem a conotação de falta de opção gerada pela discriminação social.
Toda pessoa, inclusive a pessoa cega, tem
interesse em fazer amigos, falar de coisas comuns a todos, ter lazer, praticar
esportes, frequentar lugares aprazíveis que lhe ajude a relaxar e a ter prazer
de viver, mas se for pesquisado a fundo a vida dessas pessoas, em discussão
nesse humilde texto, logo descobrirá que suas vidas se restringem tão somente a
se relacionar com poucos “amigos” preferencialmente também cegos que partilham
das mesmas dificuldades, necessidades e anseios.
Percebe-se, naturalmente, que se tratando
destas com um poder aquisitivo melhor, contam com maiores possibilidades de
aproximação da sociedade na convivência com as demais pessoas, no entanto, mesmo
assim, seu eixo de relações mais fortes se faz no meio da comunidade cega, que
é a que lhe dar respaldo por meio da identidade, “aspecto necessário e
peculiar” ao ser humano na sua autoafirmação social.
Nota-se que com a chegada da tecnologia
assistiva que propicia maior acessibilidade aos cegos, estes conseguiram alçar
maiores voos, ampliando o número de amizades através da internet, mas também aí
ficaram limitados mantendo-se por mais tempo em casa, sem que sejam percebidos
nem solicitados como companhia para a vida social mais ativa como as demais
pessoas que, apesar da internet, vivem lá fora a usufruir do que tem de melhor
a ser vivido e experimentado.
A convivência da sociedade, em geral, com
pessoas cegas é fundamental para a quebra de paradigmas há muito construídos a
respeito destas, oportunizando a ambas maior aproximação entre si com a qual
desmistificará, aos poucos, velhas concepções de incapacidade por parte dos
cegos, mostrando suas habilidades frente ao potencial que tem na construção de
um novo olhar da sociedade que, a partir daí, deverá não mais recusar essas
pessoas, mas sobretudo, aprender com elas a somar e trocar competências que
tragam benefícios sociais a toda massa populacional discriminada.
Portanto, é enfático ressaltar que toda
melhoria até aqui conquistada em prol da comunidade com deficiência de modo
geral, é fruto da luta travada pelas próprias pessoas com deficiência que muito
têm desbravado espaços até então impedidos de serem ocupados por elas,
sensibilizando a sociedade a refletir sobre a necessidade de oportunidades para
as pessoas com deficiência visual nos mais variados campos sociais de seu
interesse que lhes possibilitem viver com dignidade de seres humanos que são,
capazes de exercerem com plenitude sua cidadania por direito, assegurado na
Constituição Federal de 1988 e reafirmado na Convenção Sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência em 2009.
Autora:
Sirlene Caxias da Costa
Pós-Graduada
em Psicopedagogia pela UPE Universidade de Pernambuco Campus III Petrolina.
Graduada
em Pedagogia pela UPE Universidade de Pernambuco Campus III Petrolina.
Especialista
em Atendimento a Pessoas Cegas pela UNEB-Universidade do Estado da Bahia Campus
III – Juazeiro BA.
Especialista
em Atendimento Educacional Especializado (AEE) pela UFC Universidade Federal do
Ceará.
Formadora
de cursos de Tiflologia.
Professora
da Rede Estadual de Pernambuco e Municipal de Petrolina.
Habilitada
em Gestão e Coordenação de CAPs e NAPBBs — Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa
cega e — Núcleo de Apoio Pedagógico e Produção Braille à Pessoa Cega Pelo
MEC/IBC — Ministério e Cultura de Educação — Instituto Benjamin Constant- RJ.
Revisora
de Textos em Braille pelo MEC/IBC-RJ - Juazeiro - BA, 19/10/2011
Referência
VYGOTSKY,
L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
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