terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Educação de surdos do oralismo ao biliguismo


EDUCAÇÃO DE SURDOS DO ORALISMO AO BILINGUISMO: A REALIDADE DE PETROLINA

Maria do Socorro Araujo de Freitas

Fazendo um breve passeio pelas raízes da educação de surdos, podemos constatar que, desde os primórdios, é um tema que gera muita polêmica. A priori, tinha-se a visão de que as pessoas surdas não eram educáveis. Na Antiguidade, o filósofo Aristóteles julgou-as incapazes de razão, pois, se não falavam não tinham linguagem, tampouco pensamento. Esse veredicto de Aristóteles permaneceu por séculos sem que ninguém questionasse,  assim, tinham uma vida de negação e exclusão social. (DAMAZIO & ALVES, 2010, GUARINELLO, 2007, MAIA FILHO &VELOSO, 2010, PEREIRA et al., 2011).

Somente no século XIV surge a primeira alusão à possibilidade de instruir os surdos por meio da língua de sinais e da linguagem oral, feita pelo escritor Bartolo della Marca d’Ancona. Seria esse o impulso inicial para que o surdo pudesse ser notado como uma pessoa capaz de fazer discernimentos e tomar suas próprias decisões. (GUARINELLO, 2007, MAIA FILHO &VELOSO, 2010).

Ainda de acordo com os autores citados acima, outro avanço foi no século XVI, quando o médico e filósofo Girolano Cardano afirmou que era um crime não instruir os surdos, que esses podiam desenvolver a aprendizagem por meio da escrita e da língua de sinais.

Analisando o posicionamento de d’Ancona e Cardano, personalidades importantes para a educação de surdos, apesar dos dois mencionarem a língua de sinais, percebe-se então uma divergência, d’Ancona menciona também o uso da linguagem oral, enquanto Cardano sugere o uso da escrita. Posteriormente, várias pessoas começaram a se interessar pela educação de surdos e as divergências entre os que defendiam a oralização e os que defendiam o uso da língua de sinais foram ganhando território.

Ainda no século XVI, Pedro Ponce de Léon, um monge beneditino espanhol, foi considerado o primeiro professor de surdos, seu objetivo principal era ensinar os surdos a falar, pois, naquela época, apenas os surdos que aprendiam a falar tinham direito a receber as heranças. Segundo Guarinello (2007), seus alunos eram ensinados a falar, escrever, ler, fazer contas, orar e confessar-se pelas palavras, a fim de serem reconhecidos como pessoas nos termos da lei e herdar os títulos e as propriedades da família.

No século XVIII, aconteceu um grande impulso na educação de surdos, na França, o abade Charles Michel de L’Epée interessou-se pela instrução dos surdos sem posses, que viviam nas ruas de Paris. Com esses surdos, o referido educador aprendeu a língua de sinais e, para instruí-los, criou uma combinação da gramática da língua oral francesa com a língua de sinais, a qual ele denominou de “Sinais Metódicos”.  L’Epée obteve muito sucesso com o seu método, foi pioneiro a reconhecer que os surdos tinham uma língua e a fundar uma escola pública para surdos - o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris. Em tal instituto, foram formados vários professores surdos, entre eles, Fedinand Berthier, Laurent Clerc e Ernest Huet, personagens importantes na educação de surdos da França, Estados Unidos e Brasil, respectivamente.

De acordo com Strobel (2008), essa era uma fase de “Revelação cultural, nesta fase os povos surdos não tinham problemas com a educação. A maioria dos sujeitos surdos dominava a arte da escrita e há evidência de que havia muitos escritores surdos, artistas surdos, professores surdos e outros sujeitos surdos bem-sucedidos”.

Apesar da metodologia de L’Epée ter proporcionado grande desenvolvimento na educação de surdos, era criticada pelos oralistas. Guarinello (2007) afirma que

 O século XVIII foi considerado o período mais fértil da educação de surdos, além do aumento de escolas, a língua de sinais passou a ser usada por professores surdos. Se esse fato pode ser entendido como uma grande conquista, o mesmo não se pode dizer da concepção oralista, pois ela começaria a história de submissão coletiva dos surdos à língua majoritária dos ouvintes, então desaprovavam o uso da língua de sinais nas escolas.

Contemporâneo de L’Epée, o alemão Samuel Heinicke criou o método oral puro, um método que utilizava somente a comunicação oral na instrução dos surdos, julgando-a como o meio pelo qual os surdos melhor se integrariam na sociedade. As divergências entre oralistas e gestualistas foram ficando cada dia mais enfáticas e, pouco a pouco, o Oralismo foi ganhando força, o seu apogeu foi com o Congresso Internacional de Milão, em 1880, quando foi adotado como filosofia na educação de surdos, em detrimento da língua de sinais, que foi oficialmente proibida nas escolas, em consequência, os professores surdos foram afastados. Strobel (2008), afirma que ocorreu o Isolamento cultural: uma fase de isolamento da comunidade surda (...). Nesta fase, as comunidades surdas resistem à imposição da língua oral.

O Oralismo imperou por quase um século. Os aspectos relacionados à escolarização dos surdos foram relegados a segundo plano, dando ênfase à reabilitação, a cura da surdez, ou seja, os alunos tinham que aprender a falar e “ouvir” por meio da leitura labial, as escolas passaram a ser clínicas e os alunos pacientes. A maioria dos surdos se perpetuou na escola, no entanto, as respostas para a ocorrência desse fracasso não foram buscadas em propostas educacionais inadequadas, ou em não oferecer condições necessárias para os alunos surdos construírem o conhecimento, “mas foram justificadas como inerentes à condição da deficiência auditiva, e não como possibilidade diferenciada de construção gerada por uma forma de organização linguístico-cognitiva diversa”. (FERNANDES, 1998. P.163 apud GUARINELLO, 2007, p.56).

O fracasso do Oralismo deu espaço para uma nova filosofia, a Comunicação Total, que defendia o uso da fala, dos sinais, mímica, enfim, o uso de todos os meios de comunicação com o aluno surdo, contudo, o seu objetivo continuava sendo ensiná-lo a falar. A Comunicação Total de fato se caracterizava pelo uso simultâneo da língua oral e da língua de sinais, por serem línguas de modalidades e estruturas gramaticais diferentes, consequentemente, resultava numa comunicação truncada. Segundo Capovilla (2001), com a Comunicação Total, “as crianças estavam se tornando não bilíngues como se esperava, mas sim hemilíngues, por assim dizer, sem ter acesso pleno a qualquer uma das línguas, e sem conhecer os limites entre uma e outra”.

Notoriamente sem sucesso, a Comunicação Total cedeu espaço para uma nova filosofia, o Bilinguismo, que defende que a criança surda deve ter acesso à língua de sinais e à língua oral, mas não simultaneamente. Assim, a língua de sinais será a sua língua materna e a língua oral a segunda língua.

A EDUCAÇÃO DE SURDOS EM PETROLINA

As primeiras iniciativas de educação de surdos em Petrolina tiveram início na década de 1970, com a implantação de uma turma para alunos surdos, na Escola Dom Malan. De acordo com relatos de surdos que fizeram parte dessa turma, a filosofia adotada era o Oralismo, e ratificando os resultados, de um modo geral, em relação ao Oralismo, esses alunos também não obtiveram êxito na educação, não chegando a concluir nem o ensino fundamental. Certamente, esses dados estão relacionados à aquisição da linguagem, pois muitos surdos não tiveram acesso a língua de sinais, tampouco aprenderam a língua oral. Assumo com Capovilla, (2001) que

A falta de uma linguagem tem graves consequências para o desenvolvimento social, emocional e intelectual do ser humano. O valor fundamental da linguagem está na comunicação social, em que as pessoas fazem-se entender umas pelas outras, compartilham experiências emocionais e intelectuais, e planejam a condução de suas vidas e a de sua comunidade. A linguagem permite comunicação ilimitada acerca de todos os aspectos da realidade, concretos e abstratos, presentes e ausentes. Permite também reinventar o mundo cultural, para além da experiência física direta do aqui e agora.

Extinta a primeira turma, vieram a ser abertas novas turmas no final da década de 1980, em que já começava a adotar a filosofia educacional Comunicação Total, perdurando até o final da década de 1990, quando iniciou-se uma nova fase na educação de surdos à luz da filosofia do Bilinguismo. Frutos desse trabalho, hoje, vários profissionais surdos estão atuando na educação, nas redes estadual e municipal.

Atualmente, na rede estadual, a educação de surdos é oferecida em salas bilíngues para os alunos até o 5º ano do ensino fundamental, com a presença de um instrutor de Língua de Sinais Brasileira – Libras e uma professora bilíngue; a partir do 6º ano, são inseridos no ensino regular, em salas de ouvintes, com a presença do intérprete de Libras e, no contraturno, recebem o Atendimento Educacional Especializado, na sala de recursos. Na Rede Municipal, desde a educação infantil, todos os alunos são inseridos em salas regulares e recebem no contra- turno o Atendimento Educacional Especializado, oferecidos por uma professora bilíngue e um instrutor de Libras.

De acordo com Strobel (2008), na década de1960, iniciou-se uma nova fase para o renascimento na aceitação da língua de sinais e cultura surda. Após muitos anos de opressão ouvintista para com os povos surdos, a fase da Restauração cultural, de fato, foram muitas conquistas, contudo, a luta da Comunidade Surda por uma escola que atenda aos seus anseios ainda é constante. Uma verdadeira inclusão educacional para os alunos surdos requer mudanças curriculares e atitudinais que promovam a valorização da Língua de Sinais e da Cultura Surda.


REFERÊNCIAS

CAPOVILLA, F. C.; RAFHAEL, V. D. Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue de Língua de Sinais Brasileira. Vol. II. São Paulo: EDUSP, 2001.



DAMÁZIO, M.; ALVES, C. Atendimento Educacional Especializado do Aluno com Surdez. São Paulo: Moderna, 2010.



GUARINELLLO, A. C. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Plexus, 2007.



PEREIRA, M.C. et al. Libras: conhecimento além dos sinais. São Paulo: Pearson, 2011.



STROBEL, K. História da Educação de Surdos. Texto base do curso de Letras-Libras, Florianópolis: UFSC,2008.

VELOSO, E FILHO, V. M. Aprenda Libras com eficiência e rapidez. Curitiba, Mãosinais: 2010.



Maria do Socorro Araujo de Freitas

Especialista em Psicopedagogia - IBEPEX

Graduada em Pedagogia- UPE

Graduada em Letras- Libras –UFSC

Professora da Rede Municipal de Petrolina

Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano- Campus Petrolina

e-mail: freitasyfreitas@hotmail.com


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