A
realidade hoje é que finalmente precisamos nos dar conta que temos de fato uma
minoria linguística atuante, vibrante, viva, participativa e que clama por seus
direitos. O direito ao ensino de qualidade. A uma educação com acessibilidade
em LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais.
Há
tempos os Surdos lutam por igualdade de direitos, e aos poucos alcançaram garantias
asseguradas em Leis. Se hoje a realidade é outra, nem sempre foi assim, pois historicamente
os Surdos encararam diversos tipos de preconceitos e perseguições através dos
séculos. Em algumas culturas, eram sacrificados, atirados de penhascos, e
isolados. Algumas famílias renegavam-os a viverem nas ruas, como indigentes e
incapazes. Alguns filósofos consideravam os Surdos como indivíduos nulos
intelectualmente, já que para ser pensante seria necessário o uso preciso da
fala. A Igreja católica por muitos anos não aceitava o batismo de Surdos. Eles
também não eram consagrados nas missas, pois não podiam confessar pecados.
Assim, não tinham “alma” e não podiam adorar a Deus.
Porém, foi também dentro da Igreja que
surgiu o primeiro olhar especial sobre o individuo Surdo. Foi em meados de 1750, quando o abade Charles-Michel de L'Épée,
de Versailles, depois de ser recusado
como padre, devido suas posições diante de movimentos de reforma religiosa da
época, voltou sua atenção para os Surdos, ao perceber a língua gestual entre
duas jovens irmãs surdas. Ele acreditou a partir de então, que era possível a
comunicação entre Surdos, e isso o levou a fundar um abrigo onde acolheu surdos,
e que mantinha com seus próprios recursos. Inicialmente o que o movia era a ideia
de salvar os Surdos através do direito aos sacramentos da igreja. Ele passou a
desenvolver a comunicação com os Surdos, e convidou estudiosos na época, além
do público em geral, para partilhar desse novo achado. O seu abrigo tornou-se a
primeira escola de surdos, reconhecida mundialmente. Os seus métodos de estudos
da língua de sinais espalharam-se pelo mundo, e outros educadores, filósofos e
estudiosos se debruçaram sobre ela, fortalecendo sua estruturação e logo outros
países passaram a usar a língua de sinais, tendo como base os estudos de Charles-Michel
de L'Épée. O Brasil foi um desses e Instituto
Nacional da Educação de Surdos (INES) foi a primeira escola para surdos no
Brasil, sendo fundada em 1857. Existem outros registros anteriores a ele, de estudiosos que
reconheciam a língua de sinais, mas, Épée se destacou por sua dedicação e forte
divulgação da língua de sinais, treinando outros, partilhando seus
conhecimentos com outros educadores da época, além do público que tivesse
interesse em se comunicar com os Surdos. Ele foi também colaborador para que
mais escolas para surdos fossem abertas em outros países. Merecedor que ele
seja considerado hoje, como um dos fundadores da educação para Surdos.
No
Brasil a luta para o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais foi marcada
por conflitos e disputas legais e pedagógicas acirradas. Defensores do oralismo
até hoje se mantém firmes contra o uso de LIBRAS, mas, os Surdos lutam
incansavelmente pelo direito ao uso de sua língua materna. Com sucesso, a Lei
Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, foi decretada e sancionada, reconhecendo a LIBRAS como língua
oficial dos Surdos do Brasil. A partir dela, muitas outras conquistas foram
sendo firmadas. Mais decretos e outras leis fortaleceram os direitos a
acessibilidade em LIBRAS, bem como o direito a inclusão dos Surdos em salas
regulares, o direito a presença do profissional de interpretação de LIBRAS em
salas de aula e em entidades públicas, o direito ao instrutor Surdo e de
professores bilíngues (Decreto
5.626/2005 que regulamenta a Língua Brasileira de Sinais como disciplina
curricular). Em 2007, a estrutura de LÍNGUA foi aplicada a Libras, sendo ela
reconhecida como uma língua nata com complexidades próprias, e somente
recentemente, em 2010, foi regulamentada a profissão de Tradutor\Intérprete de
Libras). A escola passou a assumir a responsabilidade pelo ensino em
LIBRAS, garantindo ao Surdo o desenvolvimento e aprendizado de qualidade,
atendendo sua especificidade linguística.
A REALIDADE, OS DESAFIOS E AS CONQUISTAS
Se
temos de um lado a inclusão com suas propostas de vivências e partilhas, do
outro temos a realidade que fortemente derruba a suposta boa teoria da inclusão
do Surdo. Os surdos devem, por Lei, ter acesso ao ensino de sua língua materna,
LIBRAS, nas series inicias, em salas especiais, com a presença de seus pares,
com a presença do professor surdo, e professores bilíngues. A partir das séries
finais, o Surdo deve ser aceito em salas regulares e ter a presença do
profissional intérprete de LIBRAS. A aquisição da língua portuguesa escrita
deve ser sua segunda língua, ou língua de instrução. Os resultados positivos
dessa base são notórios nas conquistas de Surdos que hoje cada vez mais ingressam
em faculdades, são aprovados em concursos, se profissionalizam em diversas
áreas. O que não constam nas pesquisas, o que não se divulga abertamente é a
dura realidade dos Surdos nesse longo processo de inclusão. Quando a Lei
garantiu a inclusão do Surdo, professores foram pegos de surpresa, sem noções
da Cultura Surda, sem conhecimento de LIBRAS, sem compreensão da Lei de
acessibilidade. Mas, essa realidade não mudou muito em todos esses anos. Os Surdos
ainda passam todos os dias por situações de preconceito, de solidão, de
conflitos existências, por conflitos emocionais, e ainda estão em desigualdade
no acesso ao conhecimento. As políticas educacionais muitas vezes não saem das
propostas belamente escritas e assinadas. As verbas por alunos Surdos são
reais, pontuais e corretas. Mas, a realidade da qualidade de ensino para o
Surdo passa por caminhos escusos e falhos.
A
inclusão não resolve a falta de informação do colega ouvinte que nunca conheceu
um surdo, que não sabe como ele pensa como ele age, e reage. A escola em si
nunca foi preparada para receber um aluno surdo. Os profissionais de
interpretação acabam assumindo em sala a responsabilidade por desenvolver
métodos de melhor compreensão dos conteúdos para o aluno Surdo. São
profissionais muitas vezes sem práticas pedagógicas, que atuam solitários e sem
capacitação muitas vezes. A necessidade desses profissionais trouxe para as
salas de aulas, intérpretes caridosos, parentes de surdos e evangelizadores.
Esses nem sempre buscam se profissionalizar, penalizando duramente o
aprendizado do aluno Surdo. Muitos professores não reconhecem a capacidade do
Surdo, enquanto outros exigem que eles dominem 100% a Língua Portuguesa escrita.
Os métodos avaliativos são feitos para alunos ouvintes, para citar apenas
algumas das dificuldades do Surdo. Porém são vitoriosos os Surdos que com todas
essas barreiras chegam a conquistar seus objetivos.
Em
Petrolina, recentemente, a professora Surda, Joyce Alencar passou em 1º lugar
na UFPB. Já está atuando como professora universitária. Ela sempre freqüentou
as escolas de Petrolina, além de se formar em LETRAS LIBRAS. Questionada sobre
como conseguiu atingir sua profissionalização, ela afirma claramente que teve
acesso desde a então 1ª série a aquisição de LIBRAS, juntamente com a Língua
Portuguesa escrita, com professoras que dominavam LIBRAS, com a presença de
Instrutores Surdos. Isso deu a ela base para cursar uma faculdade, passar em um
concurso federal. Em Petrolina também outros Surdos fizeram o mesmo caminho.
Buscaram cursar faculdade de LETRAS LIBRAS, em Salvador, na Paraíba, ou através
de faculdades AED. No momento, alguns já
cursam Pedagogia, outros passaram em concursos federais, como é o caso de
Sebastião Nascimento. Funcionário dos Correios já há alguns anos.
Embora
as escolas estejam abertas para a inclusão do Surdo, é cruel que hoje ainda
existam crianças em salas regulares sem acesso a LIBRAS. Essas crianças, nas
séries inicias, estão sozinhas, sem seus pares, sem poderem desenvolver a
aquisição de sua língua materna, sem a presença de professores bilíngües, sem a
presença de instrutor Surdo diariamente. Sofrerão futuramente, pois no momento
está em sala de aula, apenas copiando não lhes garante nenhum aprendizado,
nenhum desenvolvimento. Essa não é uma realidade apenas de Petrolina. Em muitos
outros estados do Brasil crianças Surdas vivem nesse momento o mesmo dilema. A
educação é um direito de todos. Mas, as crianças Surdas ainda estão em posição
de desigualdade. Existe um descaso claro, aberto, e irresponsável por parte de
lideranças educacionais nesse sentido. Reconhecidamente a luta é de todos, os
esforços devem ser de todos, mas, a quem cabe de direito zelar por essas
crianças ainda é no momento da Secretaria de Educação do Município de
Petrolina. Apesar das denúncias, percebemos que algumas medidas tímidas foram
tomadas, mas, diante dos fatos, inegavelmente as crianças Surdas estão fadadas
a um retrocesso educacional. Futuramente teremos mais alunos surdos fora da
faixa etária em séries finais, empurrados, sem serem alfabetizados, com
problemas de sociabilidade, com entraves emocionais e excluídos.
A
luta dos Surdos no momento em todo país é pelo direito a escolas Bilíngues. Alguns
estados já possuem escolas bilíngües, e em Petrolina a luta ainda é que pelo
menos as crianças surdas atendidas pela Secretaria de Educação do Município
tenham acessibilidade em LIBRAS diariamente. Uma dura verdade a se pensar e um
apelo também, pelo direito a acessibilidade em LIBRAS para todos, mas, em
especial para essas crianças, que são parte de nossa comunidade, Surdos
Petrolinenses, que precisam ter igualdade de direitos e respeito acima de tudo.
Maria da Conceição Pereira Soares
Educadora,
Jornalista, e Intérprete de LIBRAS
Secretaria de
Educação Governo do Estado de PE.
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